casamento heterossexual


Como Vinicius de Moraes, o homem que se declinava no plural, também eu acho que o amor é eterno enquanto dura. Daí entender que a melhor forma de o conservar, de o manter vivo e frutificante - como a gaivota que voava na canção da Ermelinda Duarte - é construí-lo livremente na sua precariedade. Mas isso sou eu a achar. A questão, neste caso, é toda outra: é legítimo impor aos outros a minha concepção de infelicidade? Não, não é. Daí ter assinado esta petição.

Não tenho amado líder, nem subsídio de Natal...

...mas mesmo assim enternecem-me os raciocínios beatos que usam a festa do solstício como arma de arremesso contra a laicidade do estado.

É o gajo da direita*

Já foi sobejamente parodiada a memorável homilia da SEDES relativamente ao mal-estar [difuso] e à degradação da confiança que a sociedade portuguesa tinha vindo a experimentar nos últimos tempos - e de que o bloqueio das estradas pelos camionistas (!) era, na altura, a maior das evidências. Relembrada a última tomada de posição, eis as áreas críticas identificadas pela inteligência think-tanker: saúde, educação e legislação laboral. A respectiva natureza social é, como sói dizer-se, a pura da coincidência. Cadê o sector bancário? Impecável, dizia o Salgueiro à campeão.

*Michel Fucô e Vítor Bento, separados à nascença.

Branquear a memória


Uma acção de protesto realizada a 5 de Outubro de 2005 frente à antiga sede da PIDE/DGS, em Lisboa, marcou a criação do movimento cívico Não Apaguem a Memória (NAM), posteriormente transformado em associação. Tratava-se então de impedir a construção de um condomínio de luxo nesse edifício da rua António Maria Cardoso. A verdade é que o condomínio acabou mesmo por avançar. Mais tarde, e alegadamente por motivos de obras, a placa evocativa das últimas vítimas da PIDE/DGS foi retirada pela GEF – Gestão de Fundos Imobiliários, SA. Após pressão do NAM, a placa foi agora recolocada da forma que a Joana Lopes indica e a foto tão bem ilustra: à altura da cintura, tapada pelos carros e sem qualquer ângulo de leitura. A indignação pode ser directamente canalizada para gef@gef.pt. Mas guardem alguma para o que der e vier. É que alguma coisa está mal num país que aprova em 2008 uma resolução que vincula o Estado ao «dever de memória» e depois convive com placas desaparecidas, antigas cadeias políticas em vias de se transformarem em pousadas de luxo e museus e arquivos sem dinheiro para funcionar.

ADENDA: Entretanto foi posta a rolar uma causa no facebook: «Exigir que a placa na sede da PIDE regresse ao seu lugar». Um «programa mínimo» que alguém com preocupação pela memória e com respeito pelas vítimas não pode deixar de aderir.

Le pastie de la bourgeoisie

Nesta obra referencial para a história e teoria da sociedade portuguesa contemporânea, além de desafiar as concepções neoliberais mais sabichonas ou preguiçosas sobre a clássica dicotomia entre Estado e sociedade civil (ok, já sabemos que a tradição marxista há muito a resolveu, não sem menos ligeireza doutrinária, como é apanágio), Boaventura de Sousa Santos trabalhou a noção de Estado heterogéneo (mais tarde migrada para Sul para dar conta do fenómeno do pluralismo jurídico em contexto pós-colonial) com a ajuda de duas versões particulares de sociedade civil: a que lhe é íntima e a que lhe é estranha.
Ora intimidade e estranheza são conceitos que, entre outras coisas, dependem dos níveis de confiança depositados no interlocutor. Quando aqui ironizei uma nova geração de políticas sociais que amparava um sector bancário parasitário e critiquei o grau desproporcionado de invasividade associado aos beneficiários da velha geração de políticas sociais (os pobres e assim), falei, nomeadamente, de relações fiduciárias.
Acabámos de saber que o Tribunal de Contas (TdC) chumba o aval do Estado ao BPP «por não existirem certezas de que o banco possa pagar o empréstimo». Meter assim as mãos no fogo por alguém - com as mãos do contribuinte também eu - deixa-nos conversados em matéria de intimidade. Mas sublinho o reverso: nem sempre os mais velhos amigos acabam por ser os mais íntimos. Tem sido crescentemente incisiva e publicamente notória a competência, qualidade e independência do trabalho arqueológico das finanças públicas desenvolvido pelo TdC, cujos precedentes na história institucional portuguesa são escassos. O nome de Guilherme d'Oliveira Martins não andará desligado do processo e essa justiça deverá ser-lhe feita.
Porém, e embora meritório, talvez seja de curto alcance o contributo institucional do TdC para transformações políticas mais amplas no domínio da transparência, da prestação de contas e da blindagem do interesse público nomeadamente nas operações financeiras em que o Estado tem sido sistematicamente o da Joana. Será com certeza maior o seu contributo epistémico para a deslegitimação de um sistema regulatório e de uma retórica económico-financeira que fizeram a hegemonia da governação nas últimas décadas, com os resultados conhecidos (e desconhecidos). Para simplificar: até lá dentro cheira a merda. Arranjar novos amigos ao Estado e denunciar a estupefaciência dos actuais camaradas será o programa político de qualquer esquerda decente para um bom punhado de anos. Um capricho: só descanso quando se der cabo de meia dúzia de PPPs, à bomba, à bomba, à bomba, à bomba (momento Smiths) se for preciso.

Um pouco mais de azul

aqui está o projecto-lei do governo sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Como foi anunciado, evita mexer nos artigos sobre a adopção mas indica o modo restritivo como eles devem continuar a ser lidos – em contradição com o conceito de casamento que passará a vigorar. Faltou-lhes «um golpe de asa», como diria o outro Sá Carneiro. Assim como está, não me espantaria que encalhasse na (in)constitucionalidade. Veremos.

Pobreza social e Riqueza musical

Meritório este reconhecimento do prejuízo profundo que uma economia política ancorada na contenção e na injustiça salarial tem vindo a gerar no bem-estar e na sustentabilidade social do país, tal como no estímulo à renovação das estratégias empresariais mais adormecidas e melhor instaladas. Se é um recado, tanto melhor.
Mas é tão mais certo estarmos «confrontados com níveis intoleráveis de pobreza em Portugal» quanto menos provável a fiabilidade sociológica dos muitos indicadores que ciclicamente circulam a propósito do sucesso da governação social e política da pobreza e do desemprego - boas e más intenções à parte. Não será preciso relembrar a genealogia disciplinar da estatística para compreender os problemas que lhe são intrínsecos. A esse propósito, o empreendedorismo de base social será um bom observatório do grau de ineficácia ou viciação encapotada de que muitas medidas sociais inspiradas em lógicas de activação têm vindo a padecer e que requerem uma monitorização técnica, política e ideológica que dê conta dos automatismos inscritos na sua tramitação burocrática e da camuflagem olímpica do fracasso predestinado de muitos dos seus projectos: eis um bom programa de ressocialização para os activistas do Verde Eufémia.

Agora a sério: isto confirma a minha relação bipolar com os ditos e escritos de Adão e Silva. Bill Callahan e The Pains of Being Pure at Heart são insofismáveis e inegociáveis. Onde páram os Quase Famosos?

A adopção da discriminação (duas leituras)

«Num país onde uma boa parte da população foi educada em seminários, sem a supervisão do sacrossanto casal heterossexual, no país das Casa Pias onde o abuso sexual era considerado normal pela justiça do Estado Novo, causa-me alguma aversão esse calculismo sobre a adopção de crianças por casais homossexuais, sobretudo quando hoje temos dezenas de trabalhos científicos que demonstram que um casal de gays educa melhor uma criança que um bando de padrecos.»
Rui Curado Silva, no Klepsýdra

«Agora está tudo claro: os gays são iguais, mas diferentes. Para menos. Podem casar mas é-lhes vedada a adopção. Vão lá fazer as porcarias para longe das crianças. Fica assim consagrada a suspeição infamante de serem perigosos para o desenvolvimento da infância.»
Luís Januário, n'A Natureza do Mal

Ainda há almoços grátis


Tiago Moreira de Sá, no blog bafiento-cool 31 da Armada, resolveu citar Aristóteles a propósito do chamado «casamento gay»: «A maior das desigualdades é tratar de modo igual o que é diferente», respigou ele do filósofo. Só faltou mesmo explicar que, no que diz respeito às práticas homossexuais, os «homens livres» da Grécia eram uns javardolas sem grandes problemas de consciência; e que o casamento como hoje o conhecemos é coisa que sofreu imensas variações ao longo da história.

Já agora: aquilo que na sua Política Aristóteles considera diferente – e como tal, legítimo de tratamento desigual – é a natureza dos escravos e das mulheres relativamente aos homens. Sobre os primeiros, o filósofo assinala que «não têm faculdades deliberativas», à semelhança dos «animais selvagens». Sobre as segundas, afirma: «o homem é por natureza superior, e a mulher inferior; um domina, o outro é dominado.»

Pensando bem, duas belas frases para uma t-shirt, não?

Cães de guarda

Espremendo esta entrevista, temos o seguinte: «Libertário é aquele que vive a liberdade à sua maneira; liberal é aquele que a vive como eu a defino». Ainda a procissão vai no adro e já os santos rosnam.

Estranhos gradualismos?

Foi hoje aprovada a proposta de lei a submeter à Assembleia da República sobre a possibilidade de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Como assinala com perspicácia a Carla Luís, ou é natal ou temos confusão. Isto porque o diploma «diz apenas respeito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e não à adopção de crianças, afastando, clara e explicitamente, a possibilidade das alterações no regime do acesso ao casamento se repercutirem em matéria de adopção.» Acontece que a proposta não mexe nos artigos relativos à adopção - e que indicam essa possibilidade a «duas pessoas casadas». Assim, tout court. Se o anteprojecto da JS se propunha alterar o artigo 1974.º, impedindo a adopção por pessoas casadas do mesmo sexo, agora fala-se apenas em «modificar a redacção dos Artigos 1577.º, 1591.º e 1690.º, bem como eliminar a alínea e) do Artigo 1628.º do referido Código.» Logo, o Código Civil passará a albergar duas normas conflituantes entre si: referirá algures (?) à impossibilidade dos casais de homossexuais poderem adoptar, mas alguns artigos adiante manter-se-á essa possibilidade. Enfim, tecnicidades jurídicas que são mais do que isso: quando a proposta é rebuscada, a solução segue o mesmo caminho.

Firmeza ideológica

Este blogue não tremeu.

os meios e os fins

Daniel Oliveira e alguns bloggers do 5 Dias (desta vez Nuno Ramos de Almeida, Zé Neves, Renato Teixeira, Tiago Mota Saraiva, João Branco e Carlos Vidal) envolveram-se novamente num intenso fogo cruzado. O propósito foi agora o da agressão a Berlusconi, mas a conversa resvalou para o lugar da violência na política. Despacho desde já o tema Berlusconi porque me parece pacífico (salvo seja). Apesar da antipatia que a figura provoca, não vislumbro qualquer intencionalidade política na agressão nem me agradam as retóricas de vitimização que já se alimentam do gesto. Berlusconi, aliás, percebeu isso segundos após ser agredido, expondo-se à multidão com um ar de boxeur apunhalado pelas costas. Ponto final, parágrafo.

Já o tema da violência pia mais fino. Numa referência ao regozijo de Renato Teixeira pela agressão, Daniel Oliveira nota a «pobreza moral de quem olha para acção política como uma simples forma de descarregar a frustração da derrota», assumindo a defesa de um pacifismo que considera «radical» na sua recusa em mimetizar o carácter violento do poder. Zé Neves, por seu turno, faz eco de uma visão «comumnista» que tem invariavelmente a vantagem de enriquecer o debate e de buscar uma «terceira via» entre «marxistas-leninistas» e «social-democratas». Zé Neves, para além da crítica a quem leu o gesto de agressão a Berlusconi como uma espécie de «vingança popular», desagrada-se com o que considera ser a divisão demasiado estanque que Daniel Oliveira perfilharia entre táctica e princípios.

Devo dizer que esta me parece uma crítica algo forçada, tendo em conta o que escreveu Daniel Oliveira. Mas, independentemente disso – e da questão de saber o que se entende por violência, e quais as suas gradações, o que talvez ajudasse a clarificar a discussão –, o certo é que o post de Zé Neves tem a vantagem de levantar um tema conexo da máxima importância: o da relação entre meios e fins, entre métodos e objectivos, entre o que fazer e o para que fazer. A segmentação destes pólos fez com que a história da esquerda tivesse demasiados traços de calculismo e dissimulação, dando razão a Agnes Heller quando se referiu à «cegueira ética» do marxismo.

No caso em apreço, isso não significa que se defenda a eliminação ideal da(s) violência(s) ou o pacifismo como alfa e ómega da acção e do pensamento político. O grande desafio consistirá em assumir um quadro de valores que resgate a distinção entre aceitável e inaceitável do espartilho da «análise concreta das situações concretas» - ou da ideia de que a guerra, o assassínio ou a tortura são inevitáveis até à madrugada a seguir à noite da luta final. Fenómeno, aliás, que tem sido muito pouco ratificado pela prática, o que por si só já nos devia ensinar alguma coisa. É que quando os fins justificam os meios, eles próprios já estão a participar nos fins que entendem alcançar. Por outras palavras: pode haver uma guerra para instaurar a paz; mas saibamos que ela nunca é só um meio para esse fim.

Em Coimbra, por Aminetu

[foto: José Miguel Pires]

ADENDA: Mais fotos do evento no flickr de Margarida Az.

Solidariedade com Aminetu Haidar


Vigílias de solidariedade com Aminetu Haidar, activista sarauí em greve de fome.
Coimbra: Segunda, 14 Dezembro, 18h30 na Praça da República.
Lisboa: Terça, 15 Dezembro, 18h30 no Lg. Jean Monet, à Rua do Salitre.
Porto: Quarta, 16 Dezembro, 18h no Largo do Bolhão.

Desta vez também não foram os anarquistas

Ontem passaram 40 anos sobre o «massacre de Piazza Fontana». Hoje um homem com problemas mentais feriu Berlusconi na face com uma miniatura do Duomo de Milão.

Sugestões de Natal (3)


Não sei se já se aperceberam, mas o príncipe encantado das adolescentes já não é uma espécie de Mickael Carreira numa casal boss (ou de Pedro Granger numa moto d'água). As jovens de hoje suspiram por tipos alvos, de caninos salientes e com uma indomável vontade interior de lhes afiambrar o pescoço. Se a sua filha, neta, sobrinha, prima ou cunhada anda a devorar séries, filmes e livros com nomes retirados das posições do sol ou da lua, tome precauções. É bem provável que o consumo aumente na época natalícia e que a anemia atinja picos inexplicáveis durante o bacalhau-com-todos do almoço de 25. Para evitar surpresas desagradáveis, é avisado munir os elementos da família de uma (económica) cabeça de alho. É a prenda ideal para aqueles distraídos que costumam correr tudo a chocolates do LIDL comprados duas horas antes.

Sugestões de Natal (2)


Os tempos não estão fáceis para quem nos governa. Dramatizar, encenar e paralisar são as tarefas que lhes ocupam os dias. Sem a preparação técnica adequada, o actor - a quem os gregos chamavam hypokrités - não ultrapassará o limite do role-play fajuto. Eis uma prenda indispensável para todos aqueles que de repente começaram a tentar demonstrar que o país é ingovernável sem uma maioria absoluta. Dá para encomendar on-line. Apesar do volume, lê-se bem entre o natal e a votação do orçamento de estado.

Sugestões de Natal (1)


A economia é a ciência segunda, logo atrás da ideologia. Nesta pequena obra didáctica, João César das Neves explica aos gaiatos porque é que a autoridade, a tradição e o mercado são os pilares constitutivos da vida social. É o livro ideal para filhos com tentação pelo analfabetismo, já que as pródigas ilustrações concentram a atenção e fazem qualquer estarola parecer um supranumerário a santificar-se pela leitura. Existe uma versão para pais de esquerda, assinada por Jorge Sampaio.

Antes da Dívida Temos Direitos

Uma causa justa. Para lêr e assinar aqui.

Não é gago*

Joana - Ciumento, és?
Vasco - Por causa do teu ex?
Joana - Do écse.
Vasco - Nada disso. Eu aceito a sociologia. Nós somos da geração écse.
Joana - És um pedante.
Vasco - Sou um pendente.
[...]
Joana - Dá-te tusa seres esperto?
Vasco - Não muita, não.
Joana - Mas gostas de picardias.
Vasco - Para a tusa?
Joana - Não?
Vasco - Tu é que gostas de picardias. Não és do tipo paz doméstica.
[...]
Joana - Legifere?
Vasco - Também sei dizer «cornija», «ordálio», «nefelibata», «debalde» e «calipígio».

Pedro Mexia (2009), Nada de Dois, «Tróia», 99-102

*Mas é um jovem e insuspeito candidato.

Boas festas, BPN! Este ano pagamos nós!

No fim de um ano magnífico para o sector, e para a instituição em particular, a festa de Natal do BPN decorreu ontem à noite num hotel de 5 estrelas no centro do Porto. Lá fora, os clientes enganados ficaram a saber que é apenas a segunda de quatro festas programadas pela administração.

caganitas de ovelha

Pedro Passos Coelho acabou de afirmar ao JN: «fumei haxixe com uns amigos e, por acaso, só posteriormente percebi realmente o que tinha fumado.» A inocência comove e dá que pensar: ou não havia tabaco nas redondezas e toda a gente se pôs a transaccionar herpes por via do cigarro de enrolar feito por um jotinha com a mão em concha, e de onde saía o típico cheiro adocicado de Vila Real; ou então o produto era marado e foi preciso aos amigos explicar que se estivera por momentos à porta dos «paradis artificiels», o que por si só mostra que nunca se saiu do planalto transmontano.

O arquitecto Saraiva no "inferno" de Caxias


José António Saraiva já tinha partilhado com o mundo como foi burlado num negócio manhoso com casacos de pele nas bombas da Repsol da 2ª Circular. Desta vez, o arquitecto foi mais longe e acabou numa cave em Caxias, onde o esperavam duas "inquisidoras" da Reinserção Social, a mando do Tribunal de Oeiras. E há muito tempo que o esperavam: à primeira convocatória, Saraiva mandou a secretária tratar do assunto; à segunda, pediu um parecer à advogada. Nos dois casos, optou por desobedecer às intimações com a mesma convicção com que ataca (antes no Expresso, agora no Sol) a morosidade da justiça e o arrastar dos processos nos tribunais.
"Descansei. E, como durante o mês seguinte não sucedeu nada, pensei que o assunto estivesse resolvido. Enganava-me: findo esse mês de tréguas, recebo em casa uma terceira convocatória, desta vez entregue em mão. E aí decidi-me a ir esclarecer pessoalmente o caso."
Em tribunal, o director do Sol - como os restantes jornalistas arguidos no mesmo processo de violação do segredo de justiça - declarou à juíza a opção pelo silêncio. Mas naquela cave de Caxias, o arquitecto fraquejou. E falou de tudo aquilo que não queria falar.
"Francamente, só encontro uma explicação para o sucedido: tratou-se de uma tentativa de intimidação. O futuro o dirá".

Are you ready to be heartbroken?

Acordo francamente sensibilizado com a constituição de um novo modelo de regulação do sistema financeiro no espaço comunitário. Até telefonei lá para casa, de contente. O meu contributo cívico: já que a problemática reenvia para o domínio das políticas redistributivas e para a provisão pública de bem-estar social no quadro da vulnerabilidade accionista, o modelo teria muito a ganhar se - benchmarking de manual - adoptasse como referência a REAPN, Rede Europeia Anti-Pobreza: sou mesmo engraçado. Ora não querendo ser confundido com o reviralho, fico piurso e siderado (adjectivo palmado, com todo o gosto, a Mena Mónica) quando a receita pública serve uma nova geração de políticas sociais que ao invés de proteger o trabalho e o risco social financia calorosamente o capital incompetente e protocriminoso, sem grandes preocupações políticas de sofisticação retórica e persuasiva. É uma valente lapalissada a ideia de que a liberdade financeira necessita tanto das ilhas Caimão como do Estado - deste, em particular. Alegarão a extrema-esquerda e satélites que o têm dito há séculos e que os mecanismos e processos regulatórios são uma farsa inventada por um qualquer burguês feio e gordo: parabéns à prima. Veremos o que sairá da negociação difícil em Bruxelas. Penso apenas que compulsão e invasividade, bem testadas no RSI (Rendimento Social de Inserção), podem agora ser replicadas no sistema financeiro com relativa probabilidade de sucesso.

«Eu tinha era perdido o meu território...»

Paula Moura Pinheiro recebeu Fernando Lemos no Câmara Clara. O pretexto foi a grande exposição de fotografias que a Fundação Cupertino de Miranda está a dedicar ao autor. Um bom conversador é sempre um bom conversador, mas a dada altura notava-se que o histórico surrealista - se isto não é um oxímoro - estava era com vontade de sair dali e ir pintar o nevoeiro. Mais do que justo. Confesso que esperava uma conversa do calibre daquela que concedeu a Ana Sousa Dias, há três ou quatro anos. Fernando Lemos lembrou aí Vespeira, passeando na baixa lisboeta, com um amputado adorno capilar a que chamava, com assinalável rigor conceptual, «umgode». E desvendou o sub-texto de uma foto conhecida, na qual braços anónimos despenteiam a cabeleira de O’Neill, explicando que o poeta necessitava de uma «lavagem cerebral», pois andava toldado de desamores por Nora Mitrani. É um Fernando Lemos com menos pachorra aquele que conversou com Paula Moura Pinheiro. Mesmo assim, vale a pena ver. A descrição da saída de Portugal é brilhante. E no minuto 57 aparece o Milles Davis em 1971 a tocar em Cascais.

Discricionariedade: caso prático

A política social comunitária tem sofrido transformações (ideológicas, metodológicas, provisionais) importantes nas últimas décadas. A recente criação de um Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização (FEG), com o objectivo caridoso de «ajudar os trabalhadores que perdem o emprego devido à evolução da economia mundial a encontrar um novo trabalho o mais depressa possível», corporiza sem grandes sobressaltos a retórica da Estratégia de Lisboa, legitimando a desregulação laboral com a promessa peregrina de uma protecção social impossível. Entre nós, não faltam especialistas na coordenação e comercialização do modelo. Óptimo.

Lanço agora um pequeno desafio, aparentemente tecnocrático, mas uma porta de entrada sociológica para a economia política da crise: quem conseguir operacionalizar os critérios de atribuição do fundo, nos termos em que são definidos os potenciais beneficiários, ganhará um cabaz de Natal com 2 ou 3 garrafas de Raposeira, aquele espumante:

«só os trabalhadores despedidos por motivos relacionados com a globalização podem beneficiar do FEG, que não financia custos de modernização ou de ajustamento estrutural das empresas»

Boa sorte.

Como diria o Malato, "Isto é verdade. Não é só publicidade!"

Anúncio de página dupla publicado em 1962.

Dez anos depois, a fusão da Humble Oil com a Standard Oil of New Jersey viria a criar uma nova marca: a Exxon. (via Cool the Earth)